Administração de plasma convalescente trouxe benefícios para doentes com COVID‐19 e insuficiência respiratória grave (ARDS). Os resultados são preliminares mas promissores

Referência: Shen C. et al. Treatment of 5 Critically Ill Patients With COVID‐19 With Convalescent Plasma. JAMA. 27 de Março de 2020. doi:10.1001/jama.2020.4783

Análise do estudo: a 20 de Janeiro de 2020, foram seleccionados 5 doentes (idades entre 36 e 65 anos, 2 mulheres) do Shenzhen Third People’s Hospital (Shenzhen, China) com COVID‐19 e insuficiência respiratória grave (ARDS), que cumpriam os seguintes critérios: pneumonia grave com rápida progressão e carga viral elevada apesar de tratamento antiviral; PAO2/FIO2 < 300; necessidade de ventilação mecânica. A todos os doentes foi administrado plasma convalescente obtido de 5 doentes que tinham recuperado de COVID‐19, com título de anticorpos específicos (IgG) contra SARS‐CoV‐2 > 1:1000 e título de neutralização > 40. Após a transfusão de plasma (que aconteceu entre 10 e 22 dias após a admissão hospitalar), 4 doentes normalizaram a temperatura corporal em 3 dias. Verificou‐se em todos os doentes uma redução do score SOFA, um aumento do rácio PAO2/FIO2, uma redução e eventual negativização da carga viral (nos 12 dias seguintes à transfusão) e um posterior aumento do título de anticorpo específico para SARS‐CoV‐2, tal como o de neutralização. A ARDS regrediu em 4 doentes até 12 dias após a transfusão e 3 desses deixaram de necessitar de ventilação mecânica. Até à última data de seguimento ‐ 2 meses mais tarde ‐ três doentes tiveram alta após internamentos de 51, 53 e 55 dias, respectivamente, e 2 doentes mantinham‐se internados, mas em condição estável, 37 dias após a transfusão.

Aplicação prática: trata‐se de uma série de casos, não controlada e de apenas 5 doentes, aos quais foi administrado plasma convalescente em combinação com outros fármacos (antivirais e outros). Embora o estudo não permita traçar conclusões definitivas, a melhoria clínica verificada neste grupo de doentes é promissora e merece ser avaliada em ensaios clínicos com dimensões apropriadas.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Para ser utilizada com segurança na prática clínica, a administração de remdesivir em doentes com doença grave COVID‐19 carece de estudos clínicos de maiores dimensões e mais fidedignos

Referência: J. Grein, N. Ohmagari, D. Shin, et al. Compassionate Use of Remdesivir for Patients with Severe Covid‐19. NEJM. Abril 2020. doi: 10.1056/NEJMoa2007016

Análise do estudo: este estudo de coorte retrospectivo – financiado pela Gilead – analisou 53 doentes com infecção grave confirmada pelo SARS‐CoV‐2, aos quais foi administrado remdesivir (inibidor da polimerase de RNA viral) entre 25/1/2020 e 7/3/2020, em contexto de uso compassivo durante 10 dias (1º dia com dose de carga de 200 mg via endovenosa e restantes 9 dias com dose de 100 mg diária). Todos os pacientes estavam hospitalizados com saturações de oxigénio iguais ou inferiores a 94% em ar ambiente ou com suporte suplementar de oxigénio. Dos 53 doentes analisados, 30 (57%) estavam sob ventilação mecânica invasiva e 8% sob oxigenação por membrana extracorporal. Nos 18 dias seguintes verificou‐se que a maioria (n=36, 68%) dos doentes teve uma melhoria clínica, incluindo 17 de 30 ventilados (57%) que acabaram por ser extubados. Deste grupo, 25 doentes (47%) tiveram alta hospitalar e 7 (13%) faleceram (taxa de mortalidade de 18% dos ventilados e 5% dos não ventilados).

Aplicação prática: neste estudo, não aleatorizado e não comparativo, a administração de remdesivir em doentes infectados com doença grave COVID‐19 parece estar associada a uma melhoria clínica. No entanto, é necessária alguma contenção nas conclusões retiradas, dado que é um estudo não comparativo (sem grupo de controle) com uma amostra reduzida, com um curto período de follow‐up e com quadros clínicos muito distintos em termos de gravidade. Necessitamos de ensaios de grandes dimensões.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Os inibidores do sistema renina‐angiotensina‐aldosterona (ISRAA) devem continuar a ser administrados em doentes de risco diagnosticados com a infecção COVID‐19

Referência: Muthiah Vaduganathan, Orly Vardeny, Pharm.D., Thomas Michel, et al. Renin–Angiotensin–Aldosterone System Inhibitors in Patients with Covid‐19, March 30, 2020. DOI: 10.1056/NEJMsr2005760

Análise do estudo: estudos pré‐clínicos (em modelos animais) levantaram a questão da segurança na administração dos ISRAA em doentes COVID‐19. No entanto, com base na evidência actual ‐ apesar das questões referentes ao efeito dos ISRAA na ECA2 e da forma como estes fármacos possam afectar a propensão para a severidade da infecção pelo SARS‐CoV‐2 – parece ser justificado que este grupo farmacológico deve continuar a ser administrado em doentes estáveis de risco, que estejam a ser avaliados ou já tenham sido diagnosticados com coronavírus. As principais questões a serem levantadas são se estes medicamentos têm algum papel a desempenhar no tratamento da COVID‐19 ou, pelo contrário, os doentes que actualmente tomam esses medicamentos devem parar de tomá‐los antes de uma infecção ou pelo menos quando ocorre uma infecção. É importante reconhecer que doentes que já estão a fazer estes fármacos devem continuar o tratamento, porque a sua interrupção súbita pode induzir complicações graves. A Sociedade Europeia de Cardiologia confirma esta posição e o American College of Cardiology declarou que, no caso de doentes cardiovasculares serem diagnosticados com COVID‐19, as decisões de tratamento individual devem ser tomadas de acordo com a condição hemodinâmica de cada doente, assim como com a gravidade do seu quadro clínico.

Aplicação prática: com base na evidência actual, apesar das questões referentes ao efeito dos ISRAA na ECA2 e da forma como estes fármacos possam afectar a propensão para a severidade da infecção pelo SARS‐CoV‐2, é unânime que este grupo farmacológico deve continuar a ser administrado em doentes estáveis em risco, que estão a ser avaliados ou têm diagnóstico da doença COVID‐19. A dificuldade de análise desta situação vem ao de cima quando se sabe que também podem ser protectores…

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

A utilização terapêutica da cloroquina e/ou hidroxicloroquina (CQ/HCQ) na infecção pelo COVID‐19 não está demonstrada em ensaios clínicos e deverá aguardar melhor evidência científica


Referência: Chloroquine and hydroxychloroquine: should these drugs be used to treat COVID‐19?

Análise do estudo: este estudo é uma revisão científica desenvolvida pelo grupo do Center for Evidence Based Medicine de Oxford, publicado no seu site (https://www.cebm.net/covid‐19/) a 25 de Março. Os autores informam que existem vários estudos in vitro (investigação básica em culturas virais) que sugerem que a CQ/HCQ inibe a actividade viral do COVID‐19. O único ensaio clínico testando a CQ/HCQ em doentes infectados por COVID‐19 foi publicado a 20/3/2020 no International Journal of Antimicrobial Agents (p.105949). Foram incluídos 36 doentes (6 assintomáticos, 22 com sintomas de infecção respiratória alta e 8 baixa). Vinte doentes receberam HCQ 200 mg 3xdia durante 10 dias (6 dos quais também fizeram concomitantemente azitromicina) e os outros 16 cuidados de rotina. Os resultados demonstram que os doentes do grupo experimental apresentaram maior taxa de negatividade do vírus ao 6º dia (zaragatoas) do que os do grupo de controlo (70% vs. 12,5% P<0.001), sendo que todos os doentes a fazer os dois fármacos (HCQ + Azitromicina) negativaram.

Aplicação prática: este estudo parece confirmar alguma eficácia da utilização de HCQ e, mas importante, HCQ + Azitromicina, no tratamento de doentes com COVID‐19. Como se trata de um estudo piloto, com uma amostra muito reduzida e sem dados discriminados, deveremos esperar os resultados de um dos inúmeros ensaios clínicos a decorrer actualmente com estes fármacos, para esclarecer as dosagens, o tempo de administração, a taxa de efeitos adversos, os subgrupos respondedores, etc.. É importante salientar que, em investigação clínica, estudos com amostras pequenas têm tendência a dar resultados positivos, cuja dimensão depois não se confirma em ensaios clínicos ulteriores de grandes dimensões.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Em doentes graves infectados com SARS‐CoV‐2 a combinação lopinavir‐ritonavir não foi eficaz, mas parece ser possível esperar que ‐ em estudos futuros de maiores dimensões e duração ‐ estes agentes possam vir a demonstrar benefícios

Referência: B. Cao, Y. Wang, D. Wen, W. Liu, Jingli Wang, G. Fan, L. Ruan, B. Song, Y. Cai, M. Wei, D. Zhang, C. Wanget et al. A trial of  lopinavir–ritonavir  in  adults  hospitalized  with  severe  Covid‐19.  New  Eng  J  Med,  20  de  Março  de  2020.  doi: 10.1056/NEJMoa2001282

Análise do estudo: Trata‐se de um ensaio clínico com uma amostra de 199 doentes internados por SARS‐CoV‐2 grave. Os doentes foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos: o experimental (com tratamento com lopinavir‐ritonavir – LR) e o de controlo (com as medidas de suporte habitual para estes casos). Os resultados principais ‐ a mortalidade aos 28 dias, o tempo até à melhoria clínica e a proporção de doentes com carga viral detectável em vários pontos do tempo ‐ não foram estatisticamente diferentes entre os dois grupos. O estudo não  foi ocultado  (isto é, a terapêutica era conhecida dos investigadores, podendo deste modo alterar  as suas decisões clínicas) e havia uma maior carga viral inicial no grupo tratado com LR. 

Aplicação prática: Não existe, até ao momento, nenhuma terapêutica eficaz para a doença grave causada por SARS‐CoV‐2, pelo que estudos analisando medicamentos antivirais são desejáveis. No presente estudo, embora estatisticamente não houvesse diferenças nos resultados principais, o grupo tratado com LR teve uma mortalidade aos 28 dias numericamente inferior (19,2% vs. 25%), a demora média nos cuidados intensivos foi menor (6 vs. 11 dias) e a percentagem de doentes com melhoria clínica aos 14 dias  foi mais elevada (45,5 vs. 30%). Todos estes resultados permitem acreditar na possibilidade de, se o estudo tivesse continuado com inclusão de mais doentes, poderia ser detectado um benefício com a terapêutica lopinavir‐ritonavir em todos os indicadores (os resultados das análises estatísticas dependem – entre outros ‐ do nº de doentes incluídos na amostra de um estudo: quando o número é modesto, as análises estatísticas podem dar um  resultado  não  significativo,  mesmo  que  ele  seja    real;  por  outro  lado,  se  o  número  for  maior,  pode  então  revelar‐se estatisticamente  significativo.  É  o  que  parece  ter  acontecido  neste  estudo).  Teremos  de  esperar  pelos  resultados  de  ensaios clínicos de grandes dimensões com tratamento com lopinavir‐ritonavir, mas esta terapêutica parece razoavelmente promissora.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)