Fora da província de Hubei, a epidemia de COVID‐19 foi controlada durante menos de 3 semanas, fruto das medidas impostas de isolamento social e de um reconhecimento mais precoce dos sinais e sintomas da doença

Referência: Zhang J, Litvinova M, Wang W, Wang Y, Deng X, Chen X, et al. Evolving epidemiology and transmission dynamics of coronavirus disease 2019 outside Hubei province, China: a descriptive and modelling study. Lancet Infect Dis. 2020 Apr 2. pii: S1473‐3099(20)30230‐9. doi: 10.1016/S1473‐3099(20)30230‐9.

Análise do estudo: Este estudo recolheu dados de 8579 casos Covid‐19 positivos em 30 províncias chinesas fora de Hubei, e dividiu a epidemia em 2 períodos de tempo (24 Dez‐27 Jan e 28 Jan‐17 Fev) para análise comparativa das suas características e evolução demográfica. A mediana da idade dos casos foi 44 anos (33‐56 anos), com uma importância crescente nos grupos mais jovens e mais velhos no segundo período de tempo. O tempo médio desde o início dos sintomas e o internamento diminuiu de 4,4 para 2,6 dias. O tempo de incubação médio da doença para ambos os períodos foi de 5,2 dias (1,8‐12,4 dias). Os autores estimam que a epidemia foi controlada fora da província de Hubei por um período inferior a 3 semanas, com um número de reprodução (Rt) entre 1,08 (IC 95% 0,74‐1,54) e 1,71 (1,32‐2,17) dependendo das províncias. Depois de 30 de Janeiro, o Rt estimado encontrou‐se sempre abaixo do limiar epidémico.

Aplicação prática: nas diferentes províncias chinesas fora de Hubei, o tempo médio de incubação da COVID‐19 não variou entre os 2 períodos comparados, mas o tempo entre os sintomas e a ida ao hospital reduziu‐se de forma significativa e a sustentabilidade da transmissão mostrou ser curta. Os resultados sugerem que as medidas impostas de isolamento social, as restrições aos movimentos da população e o reconhecimento precoce dos sinais e sintomas da doença podem ser fulcrais na quebra local atempada da transmissão do vírus.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Existe pouca evidência de qualidade sobre métodos de barreira para travar a propagação de vírus respiratórios, mas a lavagem das mãos, isolamento dos casos e uso de máscaras/equipamentos nos hospitais parecem ser eficazes. Este estudo não incluiu doentes com o SARS‐CoV‐2


Referência: Jefferson T, Del Mar CB, Dooley L, Ferroni E, Al‐Ansary LA, Bawazeer GA, van Driel ML, Nair S, Jones MA, Thorning S, Conly JM. Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses. Cochrane Database of Systematic Reviews 2011, Issue 7. Art. No.: CD006207.

Análise do estudo: Trata‐se de uma revisão sistemática com metanálise da Cochrane, que incluiu 67 estudos que avaliaram intervenções físicas para prevenir a propagação de vírus respiratórios (rastreio em portos de entrada, isolamento, quarentena, distanciamento social, barreiras, proteção pessoal e higiene das mãos). Todas as intervenções tinham como objetivo impedir a transmissão de vírus através de aerossóis ou gotículas de indivíduos infectados, ou por contacto directo. Apesar da heterogeneidade e qualidade moderada ou baixa da evidência, os autores concluíram que a higienização das mãos, sobretudo pelas crianças, parece ser um método eficaz. Também as barreiras físicas e o isolamento de casos mostraram‐se úteis em casos de epidemia. Os respiradores N95 mostraram‐se não‐inferiores às máscaras cirúrgicas, mas mais caros, desconfortáveis e com efeitos adversos (erupções cutâneas). As medidas globais ‐ como o rastreio nos portos de entrada ‐ produziram apenas benefícios marginais. Outras medidas, como o distanciamento social, mostraram alguma eficácia, sobretudo em comparação com exposição de risco.

Aplicação prática: é escassa a evidência de boa qualidade para suportar medidas de saúde pública eficazes em infecções virais. Algumas das intervenções mais simples e económicas, como a lavagem das mãos, a protecção individual consoante o risco de exposição e o diagnóstico e isolamento de casos suspeitos, parecem ser eficazes. Não existe evidência de boa qualidade para suportar medidas mais abrangentes como o rastreio em portos de entrada nos países.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Indivíduos infectados pelo SARS‐CoV‐2 e não documentados laboratorialmente parecem estar envolvidos na disseminação de uma grande proporção de casos da doença.


Referência: R. Li et al. Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS‐CoV2) Science (2020).

Análise do estudo: neste estudo os autores estimaram a prevalência e a contagiosidade de indivíduos infectados por SARS‐CoV‐2 mas não documentados, com o objectivo de perceber a prevalência total e o potencial pandémico da doença. Para tal, foi desenvolvido um modelo matemático que simulou as dinâmicas espácio‐temporais entre 375 cidades chinesas antes e depois de serem tomadas medidas restrictivas. Antes dessas medidas, estimou‐se que os casos não documentados corresponderam a 86% de todos os infectados (IC 95%; 82% a 90%) e apesar de terem uma taxa de transmissão de 55% (IC 95%; 46% a 62%) em comparação com os casos documentados, foram responsáveis por 79% dos casos infectados documentados. Os autores estimaram ainda que após a implementação das medidas de restrição à mobilidade, a proporção de infectados confirmados por testes aumentou de 14% para 65%.

Aplicação prática: Este modelo vem sugerir que, para um melhor controlo da pandemia, é necessário um aumento significativo da identificação dos doentes infectados não confirmados. Os achados cruciais deste estudo são: 1) 86% das infecções não eram confirmadas laboratorialmente no início e 2) individualmente, estes doentes infectados, mas não confirmados têm uma taxa de infecciosidade que é metade das dos indivíduos confirmados. Estimular a utilização de máscaras faciais em certos contextos, restrições de mobilidade, atrasar a reabertura de instituições de ensino e o isolamento de casos suspeitos, são exemplos de medidas que podem reduzir a proporção de casos não documentados, diminuindo a proliferação do vírus pela população.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Os primeiros casos de infecção pelo SARS‐CoV‐2 tiveram origem num mercado em Wuhan, mas os seguintes foram devidos ao contacto directo entre pessoas infectadas e não infectadas

Referência: Qun Li, Xuhua Guan, Peng Wu, et al. Early transmission dynamics in Wuhan, China, of novel coronavirus–infected pneumonia. NEJM Jan 31 2020 DOI: 10.1056/NEJMoa2001316

Análise do estudo: Neste estudo foram analisados os primeiros 425 casos confirmados de infecção pelo SARS‐CoV‐2 em Wuhan,  China. Foram incluídos  três grupos de  doentes,  com  base no momento de início  dos  sintomas: 1) um primeiro, com início de sintomas antes do dia 1 de Janeiro de 2020 (dia em que foi encerrado o mercado de Huanan), 2) um segundo, entre 1 e 11 de Janeiro (dia em que forneceram os reagentes de RT‐PCR a Wuhan) e 3) um terceiro após o dia 12 de Janeiro. A maioria dos casos (55%) reportados antes do dia 1 de Janeiro tinha ligação ao mercado de marisco de Huanan, contrariamente aos casos subsequentes  (8.6% de relação epidemiológica com o mercado). Os casos de pneumonia associada à infecção pelo SARS‐CoV‐2 duplicaram a cada 7.4 dias em Wuhan no período inicial da epidemia. Apesar da maioria dos casos precoces de infecção ter estado relacionada com o consumo de alimentos do mercado de Huanan, foi clara a existência de uma transmissão humana logo numa fase precoce da epidemia. O R0 calculado foi de 2,2 (isto quer dizer que, neste grupo, cada doente infectou 2,2 outras pessoas).

Aplicação prática: este estudo informa  sobre a  origem inicial  dos  primeiros  casos  da epidemia,  num mercado em Wuhan e por consumo de carne de animais selvagens infectados. Combinado com estudos biológicos destas espécies, parece ser indiscutível que a origem do vírus esteve nos animais consumidos no mercado. Após esta primeira onda de infecção, o SARS‐CoV‐2 propaga‐se pelo contacto directo entre pessoas infectadas e não infectadas.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)