Doentes críticos com Covid‐19 internados em hospitais americanos têm mortalidades significativas, mas variáveis de hospital para hospital

Referência: Bhatraju PK, Ghassemieh BJ et al. Covid‐19 in Critically Ill Patients in the Seattle Region ‐ Case Series. NEJM doi:10.1056/NEJMoa2004500.

Análise do estudo: série de 24 casos de doentes com COVID‐19 internados em UCIs de hospitais da área de Seattle, Washington. Os doentes foram avaliados com os dados disponíveis a 23 de Março de 2020, data em que todos tinham, pelo menos, 14 dias de seguimento. A idade média dos doentes internados era de 64 anos, 63% eram homens e tinham iniciado sintomas em média 7 dias antes da admissão hospitalar. Os sintomas mais comuns eram tosse e dispneia, sendo que apenas 50% dos doentes tinham febre na admissão ao hospital. Todos os doentes deram entrada com insuficiência respiratória hipoxémica grave. Até à última data de seguimento, 18 doentes tinham necessitado de ventilação mecânica, 12 tinham falecido entre os 1º e 8º dias de internamento (incluindo 4 doentes com ordem de não reanimação), 5 tinham tido alta para o domicílio, 4 alta da UCI mas mantiveram‐se internados no hospital e 3 mantiveram‐se internados em UCI com ventilação mecânica. A taxa de mortalidade nestes casos foi de 50% e, apesar de ser mais elevada em doentes com idades ≥ 65 anos, foi também significativa (37%) em doentes com idades < 65 anos.

Aplicação prática: trata‐se de uma série de casos com características clínicas concordantes com aquilo que se tem obsercvado nas primeiras semanas da pandemia noutros países. Verifica‐se uma mortalidade significativa entre os casos graves, mesmo para idades inferiores a 65 anos. É de realçar que apenas metade dos doentes tiveram febre na apresentação inicial, sugerindo que esse sintoma poderá não ser um bom critério na decisão de testar para COVID‐19. Os doentes críticos são os responsáveis pela maior fracção da mortalidade por Covid‐19.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Administração de plasma convalescente trouxe benefícios para doentes com COVID‐19 e insuficiência respiratória grave (ARDS). Os resultados são preliminares mas promissores

Referência: Shen C. et al. Treatment of 5 Critically Ill Patients With COVID‐19 With Convalescent Plasma. JAMA. 27 de Março de 2020. doi:10.1001/jama.2020.4783

Análise do estudo: a 20 de Janeiro de 2020, foram seleccionados 5 doentes (idades entre 36 e 65 anos, 2 mulheres) do Shenzhen Third People’s Hospital (Shenzhen, China) com COVID‐19 e insuficiência respiratória grave (ARDS), que cumpriam os seguintes critérios: pneumonia grave com rápida progressão e carga viral elevada apesar de tratamento antiviral; PAO2/FIO2 < 300; necessidade de ventilação mecânica. A todos os doentes foi administrado plasma convalescente obtido de 5 doentes que tinham recuperado de COVID‐19, com título de anticorpos específicos (IgG) contra SARS‐CoV‐2 > 1:1000 e título de neutralização > 40. Após a transfusão de plasma (que aconteceu entre 10 e 22 dias após a admissão hospitalar), 4 doentes normalizaram a temperatura corporal em 3 dias. Verificou‐se em todos os doentes uma redução do score SOFA, um aumento do rácio PAO2/FIO2, uma redução e eventual negativização da carga viral (nos 12 dias seguintes à transfusão) e um posterior aumento do título de anticorpo específico para SARS‐CoV‐2, tal como o de neutralização. A ARDS regrediu em 4 doentes até 12 dias após a transfusão e 3 desses deixaram de necessitar de ventilação mecânica. Até à última data de seguimento ‐ 2 meses mais tarde ‐ três doentes tiveram alta após internamentos de 51, 53 e 55 dias, respectivamente, e 2 doentes mantinham‐se internados, mas em condição estável, 37 dias após a transfusão.

Aplicação prática: trata‐se de uma série de casos, não controlada e de apenas 5 doentes, aos quais foi administrado plasma convalescente em combinação com outros fármacos (antivirais e outros). Embora o estudo não permita traçar conclusões definitivas, a melhoria clínica verificada neste grupo de doentes é promissora e merece ser avaliada em ensaios clínicos com dimensões apropriadas.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

O impacto de uma quarentena pode ser devastador em termos da saúde mental dos indivíduos em isolamento. A situação torna‐se ainda mais grave nos profissionais de saúde. Os efeitos globais podem persistir durante muito tempo e o seu impacto é imprevisível, já que nunca na história da Humanidade se colocaram em quarentena pessoas saudáveis (e em tais números)

Referência: Brooks S, Webster R, Smith L et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet. 2020(Fev 26);395(10227):912‐920. doi:10.1016/s0140‐6736(20)30460‐8

Análise do estudo: esta revisão seleccionou 3.166 estudos sobre o impacto psicológico de doentes em quarentena, dos quais 24 foram incluídos na análise final. Estes estudos provieram de 10 países e incidiram em escassos milhares de doentes em quarentena com infecções virais (SARS, Ébola, Influenza H1N1, MERS). Os factores mais negativos da saúde mental pré‐quarentena incluíram doença mental prévia e ser‐se profissional de saúde. Os factores de stress durante a quarentena incluíram a duração desta, o medo de infectar familiares e amigos, sentimentos de frustração e de tédio, preocupações com a logística diária (mantimentos, medicamentos, consultas, higiene pessoal) e percepção de falta de informação fiável e compreensível sobre a pandemia (a incompreensão dos níveis de risco que faz com que as pessoas assumam que vão muito provavelmente morrer). Por outro lado, os principais factores de stress pós‐quarentena foram os aspectos financeiros (perda de emprego sem planeamento possível para o futuro, mais marcada nas classes mais desfavorecidas) e o estigma das pessoas que estiveram infectadas (principalmente dos profissionais de saúde). Os autores sugerem estratégias para mitigação destes efeitos muito graves na saúde mental dos indivíduos em quarentena: mantê‐la durante o mais curto espaço de tempo possível, apoiar logisticamente as pessoas com necessidades prementes e promover o acesso a informação credível e relevante, investindo na comunicação com os cidadãos através de todos os meios possíveis. Um grupo de grande importância particularmente atingido neste contexto é o dos profissionais de saúde, que se sentem frustrados por não poderem estar na linha da frente no SNS e até estigmatizados como potenciais agentes de propagação da infecção a familiares e amigos.

Aplicação prática: as consequências da quarentena na saúde mental podem ser muito graves, existindo enorme incerteza sobre o seu impacto a longo prazo, já que nunca na história da Humanidade se tinham isolado pessoas sem doença. As medidas futuras para uma resolução da crise deverão levar em linha de conta esta dramática realidade.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Para ser utilizada com segurança na prática clínica, a administração de remdesivir em doentes com doença grave COVID‐19 carece de estudos clínicos de maiores dimensões e mais fidedignos

Referência: J. Grein, N. Ohmagari, D. Shin, et al. Compassionate Use of Remdesivir for Patients with Severe Covid‐19. NEJM. Abril 2020. doi: 10.1056/NEJMoa2007016

Análise do estudo: este estudo de coorte retrospectivo – financiado pela Gilead – analisou 53 doentes com infecção grave confirmada pelo SARS‐CoV‐2, aos quais foi administrado remdesivir (inibidor da polimerase de RNA viral) entre 25/1/2020 e 7/3/2020, em contexto de uso compassivo durante 10 dias (1º dia com dose de carga de 200 mg via endovenosa e restantes 9 dias com dose de 100 mg diária). Todos os pacientes estavam hospitalizados com saturações de oxigénio iguais ou inferiores a 94% em ar ambiente ou com suporte suplementar de oxigénio. Dos 53 doentes analisados, 30 (57%) estavam sob ventilação mecânica invasiva e 8% sob oxigenação por membrana extracorporal. Nos 18 dias seguintes verificou‐se que a maioria (n=36, 68%) dos doentes teve uma melhoria clínica, incluindo 17 de 30 ventilados (57%) que acabaram por ser extubados. Deste grupo, 25 doentes (47%) tiveram alta hospitalar e 7 (13%) faleceram (taxa de mortalidade de 18% dos ventilados e 5% dos não ventilados).

Aplicação prática: neste estudo, não aleatorizado e não comparativo, a administração de remdesivir em doentes infectados com doença grave COVID‐19 parece estar associada a uma melhoria clínica. No entanto, é necessária alguma contenção nas conclusões retiradas, dado que é um estudo não comparativo (sem grupo de controle) com uma amostra reduzida, com um curto período de follow‐up e com quadros clínicos muito distintos em termos de gravidade. Necessitamos de ensaios de grandes dimensões.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

O benefício do encerramento de escolas como medida de redução de transmissão de SARS‐CoV‐2 deve ser contrabalançado com o resultante absentismo do trabalho de profissionais de saúde

Referência: Bayham J.,Fenichel EP. Impact of school closures for COVID‐19 on the US health‐care workforce and net mortality: a modelling study. The Lancet Public Health. 3 de Abril de 2020. doi: 10.1016/S2468‐2667(20)30082‐7

Análise do estudo: os autores do estudo desenvolveram um modelo preditivo matemático, baseado em 1,3 milhões de agregados familiares americanos, com o objectivo de comparar os benefícios do encerramento das escolas com o absentismo dos profissionais de saúde que têm de ficar em casa a cuidar dos seus filhos. Assumindo que adultos desempregados ou irmãos a partir dos 13 anos de idade poderiam cuidar das crianças do agregado familiar, verificaram que, ainda assim, aproximadamente 15% dos profissionais de saúde teriam de ficar a cuidar dos seus filhos, em caso de encerramento das escolas. Admitindo uma mortalidade COVID‐19 global de 2% e que o encerramento das escolas levaria a uma redução de 15% dos casos, para levar a um aumento cumulativo da mortalidade a consequente redução de 15% dos profissionais de saúde teria que reduzir em 17,6% a probabilidade de sobrevivência por COVID‐19 por cada ponto percentual de profissionais de saúde ausentes. Ou seja, considerando uma mortalidade por COVID‐19 de 2,35% e mantendo os restantes parâmetros, o encerramento das escolas poderia causar mais mortes do que aquelas que supostamente iria prevenir.

Aplicação prática: não existe evidência inequívoca que suporte o encerramento das escolas como medida de redução do impacto da pandemia por COVID‐19, pelo que a sua aplicação deve ser acompanhada de um balanço cuidadoso dos benefícios face ao custo do absentismo de profissionais de saúde. Outras medidas, que possam garantir o cuidado dos filhos de profissionais de saúde durante os períodos de encerramento, poderão alterar esse balanço na direcção do benefício.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Os lares para idosos são locais de elevado risco para ocorrência de surtos de COVID‐19, com impacto marcado tanto nos residentes como nos trabalhadores


Referência: McMichael T.M. Epidemiology of Covid‐19 in a Long‐Term Care Facility in King County, Washington. The New England Journal of Medicine. 27 de Março de 2020. doi: 10.1056/NEJMoa2005412

Análise do estudo: o estudo relata um surto de COVID‐19 num lar com 130 residentes e 170 trabalhadores em King County (um município de Washington, EUA). O caso índice foi notificado a 28 de Fevereiro de 2020, numa residente sem história conhecida de viagem ou contacto com casos confirmados, o que levou ao início de uma investigação epidemiológica aos lares do município. A 18 de Março tinham sido diagnosticados 167 casos de COVID‐19 no lar A, incluindo 101 residentes, 50 trabalhadores e 16 visitantes, com um tempo mediano entre sintomas e diagnóstico de 8 dias. A maioria dos casos tinha sintomatologia respiratória, mas registaram‐se 7 casos assintomáticos. As taxas de internamento dos casos confirmados foram de 55%, 50% e 6% nos residentes, visitantes e trabalhadores, respectivamente. Entre os residentes, a maioria (94%) dos quais com comorbilidades, a taxa de letalidade foi de 34%. Nessa mesma data, 30 outros lares do município já tinham identificado pelo menos um caso de COVID‐19, dos quais no mínimo 3 tinham uma ligação epidemiológica directa identificada com o lar A através da movimentação de trabalhadores e transferência de residentes.

Aplicação prática: os lares para idosos concentram por natureza vários factores de risco para o aparecimento de surtos de COVID‐19 com grande impacto: os trabalhadores frequentemente trabalham em vários lares, a população residente é idosa com comorbilidades e o índice de suspeição em casos de sintomatologia respiratória é baixo. São estabelecimentos nos quais é necessária uma atenção redobrada e com actividade proactiva, incluindo a monitorização activa diária tanto dos residentes como dos trabalhadores, e a adesão rigorosa às medidas recomendadas de prevenção e controlo da infecção.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Os inibidores do sistema renina‐angiotensina‐aldosterona (ISRAA) devem continuar a ser administrados em doentes de risco diagnosticados com a infecção COVID‐19

Referência: Muthiah Vaduganathan, Orly Vardeny, Pharm.D., Thomas Michel, et al. Renin–Angiotensin–Aldosterone System Inhibitors in Patients with Covid‐19, March 30, 2020. DOI: 10.1056/NEJMsr2005760

Análise do estudo: estudos pré‐clínicos (em modelos animais) levantaram a questão da segurança na administração dos ISRAA em doentes COVID‐19. No entanto, com base na evidência actual ‐ apesar das questões referentes ao efeito dos ISRAA na ECA2 e da forma como estes fármacos possam afectar a propensão para a severidade da infecção pelo SARS‐CoV‐2 – parece ser justificado que este grupo farmacológico deve continuar a ser administrado em doentes estáveis de risco, que estejam a ser avaliados ou já tenham sido diagnosticados com coronavírus. As principais questões a serem levantadas são se estes medicamentos têm algum papel a desempenhar no tratamento da COVID‐19 ou, pelo contrário, os doentes que actualmente tomam esses medicamentos devem parar de tomá‐los antes de uma infecção ou pelo menos quando ocorre uma infecção. É importante reconhecer que doentes que já estão a fazer estes fármacos devem continuar o tratamento, porque a sua interrupção súbita pode induzir complicações graves. A Sociedade Europeia de Cardiologia confirma esta posição e o American College of Cardiology declarou que, no caso de doentes cardiovasculares serem diagnosticados com COVID‐19, as decisões de tratamento individual devem ser tomadas de acordo com a condição hemodinâmica de cada doente, assim como com a gravidade do seu quadro clínico.

Aplicação prática: com base na evidência actual, apesar das questões referentes ao efeito dos ISRAA na ECA2 e da forma como estes fármacos possam afectar a propensão para a severidade da infecção pelo SARS‐CoV‐2, é unânime que este grupo farmacológico deve continuar a ser administrado em doentes estáveis em risco, que estão a ser avaliados ou têm diagnóstico da doença COVID‐19. A dificuldade de análise desta situação vem ao de cima quando se sabe que também podem ser protectores…

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Em doentes COVID‐19, a idade é um factor fundamental na determinação do risco, já que está directamente ligada à presença de doença mais grave, à necessidade de hospitalização e à mortalidade

Referência: Verity R, Okell L, Dorigatti I et al. Estimates of the severity of coronavirus disease 2019: a model‐based analysis. The Lancet Infectious Diseases. 2020. doi:10.1016/s1473‐3099(20)30243‐7

Análise do estudo: com base nos dados de 24 doentes falecidos e de 165 recuperados na China, os autores criaram um modelo estatístico com o objectivo de estimar a gravidade, a mortalidade e a infecciosidade da doença COVID‐19. Foi calculada a duração média entre o início dos sintomas e a morte do doente, comparando‐a até ao momento da alta hospitalar dos doentes, sendo de 17,8 dias e 24,7 dias, respectivamente. O rácio de infecciosidade aparentava ser semelhante entre os diferentes grupos etários, contrastando com o rácio de fatalidade, fortemente dependente da idade do doente, que aumentava a partir dos 50 anos. Os grupos etários com idade mais avançada apresentaram maior taxa de doença severa e de mortalidade, tendo sido observados os valores mais elevados na faixa etária com 80 ou mais anos, que atingiu uma taxa de mortalidade de 13,4%. É de referir que estas estimativas se baseiam em dados obtidos numa fase inicial da pandemia. Como tal, o seu foco pode incidir principalmente em doentes mais graves, não contabilizando possíveis casos ligeiros ou assintomáticos que possam não ter sido identificados. Adicionalmente, a capacidade dos serviços de saúde de Wuhan foi rapidamente ultrapassada, podendo também contribuir para uma sobre‐estimativa das taxas referidas.

Aplicação prática: os dados deste estudo vão ao encontro de outros, relativos à evolução, à duração média e à taxa de mortalidade da doença. Apesar de serem cálculos realizados numa fase inicial da pandemia, permitem estimar o impacto que a mesma pode ter globalmente, em especial na população mais idosa.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Fora da província de Hubei, a epidemia de COVID‐19 foi controlada durante menos de 3 semanas, fruto das medidas impostas de isolamento social e de um reconhecimento mais precoce dos sinais e sintomas da doença

Referência: Zhang J, Litvinova M, Wang W, Wang Y, Deng X, Chen X, et al. Evolving epidemiology and transmission dynamics of coronavirus disease 2019 outside Hubei province, China: a descriptive and modelling study. Lancet Infect Dis. 2020 Apr 2. pii: S1473‐3099(20)30230‐9. doi: 10.1016/S1473‐3099(20)30230‐9.

Análise do estudo: Este estudo recolheu dados de 8579 casos Covid‐19 positivos em 30 províncias chinesas fora de Hubei, e dividiu a epidemia em 2 períodos de tempo (24 Dez‐27 Jan e 28 Jan‐17 Fev) para análise comparativa das suas características e evolução demográfica. A mediana da idade dos casos foi 44 anos (33‐56 anos), com uma importância crescente nos grupos mais jovens e mais velhos no segundo período de tempo. O tempo médio desde o início dos sintomas e o internamento diminuiu de 4,4 para 2,6 dias. O tempo de incubação médio da doença para ambos os períodos foi de 5,2 dias (1,8‐12,4 dias). Os autores estimam que a epidemia foi controlada fora da província de Hubei por um período inferior a 3 semanas, com um número de reprodução (Rt) entre 1,08 (IC 95% 0,74‐1,54) e 1,71 (1,32‐2,17) dependendo das províncias. Depois de 30 de Janeiro, o Rt estimado encontrou‐se sempre abaixo do limiar epidémico.

Aplicação prática: nas diferentes províncias chinesas fora de Hubei, o tempo médio de incubação da COVID‐19 não variou entre os 2 períodos comparados, mas o tempo entre os sintomas e a ida ao hospital reduziu‐se de forma significativa e a sustentabilidade da transmissão mostrou ser curta. Os resultados sugerem que as medidas impostas de isolamento social, as restrições aos movimentos da população e o reconhecimento precoce dos sinais e sintomas da doença podem ser fulcrais na quebra local atempada da transmissão do vírus.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)

Características clínicas e laboratoriais que poderão sugerir um pior prognóstico em doentes infectados com COVID‐19


Referência: Chen T, Wu D, Chen H, et al. Clinical characteristics of 113 deceased patients with coronavirus disease 2019: retrospective study BMJ 2020; 368 :m1295. doi: 10.1136/bmj.m1295

Análise do estudo: trata‐se de um estudo de coorte retrospectivo que analisou as características clínicas de 799 doentes com COVID‐19 do Tongji Hospital, em Wuhan, China. Os autores compararam 113 doentes que tinham falecido com 161 doentes que tinham recuperado à data de 28 de Fevereiro de 2020. Aqueles que faleceram eram significativamente mais idosos (idade mediana 61 anos vs 51); tinham mais comorbilidades ‐ como hipertensão crónica e outras doenças cardiovasculares (48% e 14% vs 24% e 4%); apresentaram mais frequentemente dispneia (62% vs 31%), pressão no peito (49% vs 30%) e alteração do estado de consciência (22% vs 1%); e tiveram mais frequentemente leucocitose (50% vs 4%) e linfopenia (91% vs 47%). Dos doentes que faleceram, as complicações mais comuns incluíram SARS, insuficiência respiratória tipo I, sépsis, lesão cardíaca aguda, insuficiência cardíaca, alcalose, hipercaliémia, lesão renal aguda e encefalopatia hipóxica. O tempo mediano desde o aparecimento da doença até à morte foi de 16 dias.

Aplicação prática: num contexto em que sistemas de saúde de todo o mundo se encontram sobrecarregados com doentes Covid‐19 carecendo de cuidados médicos urgentes, é fundamental recolher precocemente os sinais clínicos e laboratoriais que permitam identificar os infectados de mais alto risco, que possam vir a necessitar de cuidados avançados (internamento e/ou ventilação assistida). Apesar do presente estudo ser retrospectivo e com uma amostra de pequena dimensão (portanto com necessidade futura de confirmação com amostras maiores), a evidência gerada pode ser útil na prática clínica.

Autores: Juan Rachadell , Raquel Vareda, Fausto S.A. Pinto, Rodrigo Duarte, Susana Oliveira Henriques e António Vaz Carneiro

Instituto de Saúde Baseado na Evidência (ISBE)